As eleições deixaram claro o quanto a desintermediação da informação reduziu sobremaneira a importância da imprensa. A questão agora é se esse fenômeno se estenderá ao legislativo, tornando o cidadão mais empoderado e com mais capacidade de controle sobre o governo que ele elegeu
Qualquer tipo de intermediação surge pela dificuldade em se atingir diretamente o consumidor ou usuário final. No inicio o produtor rural recolhia suas frutas e legumes, levava periodicamente a uma feira na cidade e vendia seu produto ao cliente. O sapateiro comprava o couro do fazendeiro e vendia o sapato ao usuário. O agiota emprestava dinheiro do bolso a quem necessitava. Não havia intermediários no mundo.
Com a revolução industrial e a rápida urbanização do planeta, surgiu esta figura. O banco é o intermediário financeiro. Atacados e lojas formam a intermediação comercial. A fábrica está em algum lugar desconhecido mas o produto dela pode ser encontrado em qualquer supermercado do bairro.
A tecnologia ajuda a cortar elos na cadeia. Em breve alugaremos carros do fabricante, sem concessionárias. Outras tantas fábricas vendem diretamente ao consumidor final via e-commerce. O varejo perde espaço. Um investidor compra títulos públicos do governo federal via tesouro direto. Claro que lojas e bancos não acabarão mas seus papéis estão sendo cada vez mais redesenhados ou relativizados
A imprensa é o alvo mais recente da desintermediação. Até o início deste século, as pessoas recebiam informações basicamente por rádio, TV e jornais. Mas agora esse papel está distribuído por uma imensa variedade de fontes. Diga-me quantas vezes uma hot news chegou até você pelo tweeter, instagram, facebook ou whatsapp antes de ser publicada em um portal? Diga-me agora quantos comentários de amigos e de estranhos você leu sobre essa mesma notícia, em comparação com análises e comentários de jornalistas? Provavelmente para cada comentário de um jornalista da grande imprensa você leu uns 20 ou 30 comentários nas mídias sociais. No fim das contas, se a gente forma opinião baseado no conjunto de dados recebidos, o peso da imprensa no seu racional se reduziu substancialmente.
Acrescente-se a isso a tendência cada vez mais evidente da imprensa noticiar tudo com viés ideológico. Ao invés da antiga separação entre reportagem e editorial, hoje temos noticia editorializada, embutindo a perspectiva ideológica do repórter. Se a notícia que vem da mídia chega enviesada e você pode compará-la com dezenas de outros pensamentos e análises recebidas quase que imediatamente dos seus amigos, a que se reduziu a imprensa? O fato é que as mídias sociais desintermediaram a informação. E ao fazer isso, reduziram substancialmente a importância da mídia e seus elementos acessórios: institutos de pesquisa, editoriais, painéis de especialistas, etc.
A desintermediação da informação é tão gritante que soa ridículo institutos de pesquisa conduzirem estudos na rua cobrindo meros 2.000 respondentes para produzir um documento com amplas margens de erro, incapazes de oferecer uma visão fidedigna da realidade. Pesquisas virtuais com centenas de milhares, quando não milhões, de respondentes é o futuro óbvio dos levantamentos de intenção de voto, como já é feito em análises de consumo ou perfil de consumidor. Com isso nos livraremos da ditadura dos poucos institutos habilitados a conduzir pesquisas eleitorais, por exemplo
Sobra, por fim, um dos mais renitentes bastiões da intermediação: o legislativo. Os livros de história nos ensinam que a democracia direta, originária de Atenas, previa a discussão em praça pública de todos os temas relevantes e a tomada de decisão via voto direto. Imagine fazer isso em um país com, digamos, 30 milhões de habitantes. Inventou-se, então, a democracia representativa. Grupos de pessoas elegem seus representantes, que votam em seu lugar nos grandes temas nacionais. Se a democracia representativa foi criada para superar a dificuldade de se consultar toda a população e hoje nós temos um mecanismo digital prático para fazer isso, porque não repensar a forma como as grandes questões nacionais são debatidas e votadas? De acordo com as estatísticas, praticamente 100% dos brasileiros tem celular. Todo cliente de uma operadora tem cadastro. Portanto seu perfil é conhecido e consulta-lo é um processo relativamente simples e barato.
É claro que o poder legislativo tem outros papéis além de aprovar leis. Ele monitora o executivo; aprofunda o conhecimento sobre determinada matéria antes de redigir uma proposta de lei; aprova o orçamento federal, um trabalho detalhista que não seria possível fazer com toda a população. Mas é claro que a sociedade tem condições de participar de forma muito mais ativa no processo legislativo através da internet. Consultar milhões de cidadãos sobre temas relevantes é muito saudável, além de servir como inibidor de práticas deploráveis como o famoso “balcão de negócios” (a compra de voto) e a importância dos caciques políticos, que frequentemente decidem a portas fechadas como toda a bancada do seu partido irá votar.
“Desintermediar” o legislativo empoderará o cidadão, independentemente de nível educacional, condições financeiras ou qualquer outro fator. Melhorar nosso controle sobre o Estado é uma necessidade premente após anos de expansão da corrupção, investigações de centenas de deputados e senadores, máfias estruturadas no setor público, negociação de favores contrários ao interesse da sociedade e um sem-número de outras práticas deletérias que tem nos condenado a nunca superar o dito de que o “Brasil é o país do futuro … e sempre o será”
Teremos um novo presidente em janeiro de 2019 e tudo indica que Jair Bolsonaro portará a faixa no peito. Apesar de toda a euforia em torno de seu nome, pouco se sabe sobre sua real capacidade administrativa. Bolsonaro vem de 27 anos de vida legislativa. Antes disso, dedicou dez anos à carreira militar, onde se notabilizou por confrontações com os superiores, particularmente na defesa de melhores salários aos soldados. Nada, em seu curriculo, permite antever como será seu perfil, comportamento e atitudes como governante.
No entanto, a vida é feita de expectativas. Se todos acham que a vida vai melhorar, ela de fato melhora. Atitudes positivas conduzem a decisões positivas. As pessoas gastam mais, as empresas contratam, investidores retornam, os indicadores mostram sinais positivos e tudo isso leva as pessoas a ficarem mais confiantes e gastarem mais, as empresas ampliam investimentos e está estabelecido o ciclo virtuoso.
Bolsonaro irá se beneficiar dessa onda de otimismo, pelo menos no início do mandato. Se quiser que a onda se consolide e se torne tendência, precisará tomar algumas atitudes, digamos, icônicas. Icônicas no sentido de indicar à sociedade que ele de fato não está comprometido com o sistema político e administrativo podre que prevalece no país.
O pior que Bolsonaro poderá fazer é iniciar seu governo negociando apoio com o Congresso. A sociedade lerá tal atitude como balcão de negócios, algo que é fortemente repudiado hoje em dia. Por mais que qualquer governo precise de base parlamentar para poder administrar a nação, o melhor é esperar alguns meses antes de costurar as necessárias alianças.
Também será inadequado formar um gabinete composto exclusivamente por homens ou sem a presença de minorias. Aqui não se trata de afagar o politicamente correto e sim aplacar parte da ira de seus opositores, que não medirão esforços para atrapalhar sua gestão. Após uma eleição tão polarizada, que fragmentou a sociedade em raivosos polos de apoio e oposição, seria de extrema conveniência um gabinete representativo dos vários sub-segmentos sociais.
Por fim, Bolsonaro precisará fazer um giro e se apresentar no exterior. Vindo do meio militar e tendo dado declarações infelizes de enaltecimento da ditadura dos anos 70, Bolsonaro é visto como um troglodita renascido das cinzas, um Trump piorado. O Brasil precisa desesperadamente entrar no século 21, se atualizar tecnologicamente, trazer capitais de fora, exportar produtos, se inserir em mercados globais, intercambiar especialistas, interagir intelectualmente e ampliar sua presença no planeta. Isso exige um presidente respeitado e conhecido. Coisa que Bolsonaro não é.
O próximo presidente terá bem mais que os tradicionais 100 dias para mostrar serviço. Terá todo o primeiro ano. Que se cerque de pessoas integras e competentes. Se não fizer maiores bobagens, o país melhorará naturalmente, garantindo tempo, capital político, suporte popular e condições econômicas para que mudanças estruturais possam ser promovidas a partir de 2020.
Uma das críticas mais comuns feitas aos governantes brasileiros é que não existe planejamento de longo prazo. De fato, não existe. O que temos são os Planos Plurianuais, com horizonte de 4 anos, que na prática apenas detalham o programa de governo do administrador de plantão.
Planejamento de longo prazo requer que se tenha uma visão de futuro do país. Algo como 30 ou 40 anos lá na frente. Estabelecida esta visão, tudo o que vier depois é um alinhamento de esforços e de políticas no sentido de se realizar tal visão. A China fez isso 40 anos atrás. A Coréia fez a mesma coisa nos anos 60. O Japão seguiu esta receita a partir dos anos 50. Todos os países de industrialização e/ou desenvolvimento tardios planejaram seu crescimento porque não é possivel deixar o futuro da nação ao sabor das “forças de mercado” e nem ambicionar ser tudo para todos. É preciso ter foco para se poder explorar ao máximo os (parcos) recursos disponíveis.
Nos anos 70, o Brasil namorou de perto com planos nacionais de desenvolvimento. Em 1972 surgiu o I PND, cujo objetivo maior era preparar a infra-estrutura necessária para o desenvolvimento do Brasil nas décadas seguintes, com ênfase em setores como telecom e transportes, expansão das indústrias naval, siderúrgica e petroquímica, além de pesados investimento em educação, ciência e tecnologia. O plano tinha metas quantitativas de curto prazo: taxa de crescimento econômico anual ao redor de 10%, inflação no patamar máximo de 20% ao ano e aumento das reservas cambiais. O plano também estabelecia um modelo de financiamento para tudo isso, baseado na concentração de capitais em grandes empresas estatais e grupos privados brasileiros e na atração de capital de investimento internacional. O I PND foi muito bem sucedido no que se propôs a atingir, embora o legado de grandes estatais esteja na raiz de vários dos nossos problemas atuais.
O II PND, elaborado em 1974, apresentou à sociedade a visão que ficou conhecida como o “Brasil Grande”. Se o II PND tivesse dado certo, o Brasil seria hoje uma China da vida. Ambicionava-se posicionar o país como uma nação plenamente desenvolvida e economicamente poderosa, com controle tecnológico e industrial de cadeias produtivas inteiras. A segunda metade dos anos 70 marcou o auge da industrialização brasileira, com o surgimento de grandes grupos empresarias que, em teoria, deveriam ter o mesmo papel dos Chaebols coreanos e das empresas capitãs do Governo Lula: serem os pilares da economia brasileira e de sua projeção no mundo.
O II PND falhou por alguns motivos, sendo que o mais importante foi buscar fontes de financiamento nos petrodolares, gerando uma imensa divida externa. Com o planeta em recessão, nossas exportações não eram suficientes para garantir uma balança comercial positiva. Quando as taxas de juros internacionais subiram à estratosfera em 1981 (em decorrência da ação do FED – banco central americano – que queria a todo custo controlar a inflação naquele país), o Brasil quebrou e levou junto seus planos de desenvolvimento e o governo militar. Ainda assim, o II PND deixou um legado imensamente positivo no domínio das novas tecnologias de energia alternativa (principalmente álcool e nuclear), um enorme e moderno parque industrial, o domínio completo de cadeias produtivas industriais, o inicio da profissionalização e modernização da agricultura nacional (cujos resultados positivos perduram até hoje) e auto-suficiência em boa parte da produção de insumos e bens de capital
Com o retorno dos governos civis, o foco passou a ser nas ações de curto prazo: controlar a hiper inflação, gerenciar crescentes deficits públicos, administrar as imensas estatais (cuja gestão deixou de ser técnica e passou a ser política, transformando-as em cabides de emprego e bastante ineficientes) e redesenhar o mapa de poder após 21 anos de regime militar
Desde então, o Brasil nunca mais pensou ou se planejou a longo prazo. O país vive hoje um momento dramático. As crises se superpõe: moral, ética, institucional, econômica, administrativa, política, industrial, social … liste uma crise e é provável que ela exista no país. Não existe qualquer possibilidade do país ser reconstruído sem que se desenhe uma política de longo prazo, a qual deriva de uma visão de longo prazo
E assim voltamos ao ponto: o Brasil precisa urgentemente de um III Plano Nacional de Desenvolvimento. Se o governo atual tem condições de produzir um ou não, é uma questão ainda em aberto. Mas certamente seria um legado de extremo valor ao próximo ocupante do cargo máximo.
O Brasil é um país de ponta cabeça. Tudo o que observa aqui parece ser o contrário do que predomina no resto do mundo. Por razões profissionais, eu convivo com muita gente, pessoas dos mais diversos perfis, associadas às mais variadas atividades empresariais. É um dos benefícios da consultoria gerencial, que foi potencializado pela nossa associação com o Think Tank europeu Ambrosetti. Um dia típico meu só termina depois de conversar com pessoas de pelo menos meia dúzia de atividades completamente distintas.
Diariamente eu me vejo frente a uma situação surreal. A maior parte das pessoas está chocada com o grau de distorção, corrupção, desmandos e falta de senso público dos políticos. Na ótica coletiva, o Brasil não é nada mais do que uma terra a ser explorada e dilapidada pelo mais esperto, mesmo que ele tenha de se compor com outros malandros como ele. O Brasil de 2017 é igual ao das capitanias hereditárias, com a única diferença que a população atual é infinitamente maior do que a de 300 anos atrás. A perplexidade se une à experiência de vida para desaguar em um desencanto geral e em uma falta completa de otimismo com relação ao futuro. Há 500 anos que o Brasil é um feudo selvagemente explorado por poucos em absoluto desrespeito à lei e as pessoas. Assim foi, assim é e, na ótica de muitos, assim será para sempre
No meio desse cenário negro brotam jovens inovadores que se escudam na falta de vivência para sonhar com um futuro bastante diferente. Esses jovens lutam contra tudo – da estúpida burocracia brasileira ao pensamento cartorial, do Estado centralizador à fúria legisladora, da inépcia do judiciário ao perfil profundamente individualista da sociedade brasileira – para tentar viabilizar projetos e negócios originais. Projetos esses que qualquer país sério do mundo apoiaria de maneira decidida, oferecendo infraestrutura física, capitais a baixíssimo custo, simplicidade fiscal e burocrática, acesso a mercado, regulamentação simplificada (ou ausência de regulamentação) e, acima de tudo, imensa simpatia pela iniciativa. É o oposto do Brasil, onde uma ideia disruptiva gera desconfiança dos consumidores, imediato desejo de pesada tributação por parte do governo, imediato desejo de extensa regulamentação por parte dos legisladores, imediata reação corporativista por parte daqueles que receberão a nova concorrência, zero de acesso a mercado, zero de acesso a capitais de financiamento e uma visão geral de que o esforço do empreendedor é só mais “um jeito de alguém explorar os outros pra enriquecer”
O Brasil atingiu a perfeição: temos uma economia dirigida a favor de apaniguados, um sistema político que visa concentrar poder e dinheiro nas mãos de poucos, uma imensa burocracia pública que visa garantir o emprego de milhões de indivíduos que não produzem nada, um sistema legislativo que tira proveito da ignorância popular para interferir na vida de tudo e de todos, gerando um emaranhado de leis que ninguém entende, um sistema fiscal obtuso e pesadíssimo que tem a dupla função de injetar uma fortuna na máquina estatal de desperdícios enquanto sustenta máfias de fiscais, e uma mentalidade que se espalhou pela sociedade de que empresário é ladrão e que só faz enriquecer às custas das pessoas
O Brasil é tão surreal que Kafka se sentiria deprimido se entre nós vivesse. Este Brasil de hoje não vai chegar em lugar algum, em que pese o grande esforço desses jovens e alegres empreendedores, ainda imersos na ilusão de que uma boa ideia pode mudar o mundo. Os anos 60 já se foram faz tempo e o Brasil sequer chegou neles